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“Quando a vida acontece”

“Quando a vida acontece”

08th February 2024

Quando a vida acontece!

O elo que se estabelece entre a criança e o coach a cada semana é, a meu ver, a parte essencial do trabalho da CCA. Ser voluntário da CCA tem sido uma oportunidade bonita que me permitiu estabelecer ligações com a escola, professores e com o "T".

Deixem que vos apresente o T, um menino de oito anos cheio de energia, alegria curiosidade. Por outro lado lidava com desafios: hiperatividade, falta de atenção, pouca concentração, não conseguia estar quieto, frequentemente se envolvia em querelas com os colegas e por isso estava muitas vezes de castigo quando eu chegava à escola para a nossa sessão semanal de coaching.

Iniciámos o núcleo já perto do final do ano letivo e por isso as 3, 4 sessões iniciais foram para nos conhecermos. Fizemos alguns trabalhos manuais, exploramos os nossos gostos e preferências. E acabou o ano letivo. Regressámos em setembro e às sessões.

O T, gostava muito de atividades manuais e por isso iniciamos alguns projetos, o que mais o entusiasmou foi construir o seu conjunto de pinos (bowling). E semana após semana o T aguardava este tempo de forma especial.

Ao longo de cada semana fui-me apercebendo do mundo e da realidade em que o T estava envolvido, os seus dilemas com uma meia-irmã mais velha e com um bebé que estaria a chegar, o relacionamento com os seus pais e dos seus pais. Tudo isto no meio de um rodopio da sua hiperatividade e défice de atenção.

Triste, com medo, zangado eram normalmente as emoções que o T apontava quando iniciávamos as nossas sessões com a roda dos sentimentos. Muito esporadicamente o T indicava uma emoção positiva.

A infância é um período de descobertas, de aprender de crescimento. É um momento em que as crianças estão a moldar a sua identidade. Para o T, este caminho era desafiador e complexo. Fui-me apercebendo que o nosso encontro semanal era algo estável na sua semana. Onde ele não era julgado ou não tinha a pressão de responder de explicar o que quer que fosse. Simplesmente como dois amigos contávamos como estava a correr a semana, os desafios e quais as emoções e o gatilhos que o levavam a discutir e por vezes a agredir os colegas e tentávamos perceber como ter uma estratégia para que isso não voltasse a acontecer.

O bebé chegou logo em novembro e o T teve de aprender a lidar com menos atenção da mãe e com um novo elemento em casa. Nas semanas seguintes fomos falando de como a vida acontece e o T lá foi partilhando a dinâmica da sua vida. Um alerta veio semanas mais tarde quando o T no meio de recortar a figura do “sonic” que seria colada na garrafa, comenta que os pais tem discutido muito.

Chegou o Natal e o Ano Novo e sempre que eu tentava ir um pouco mais fundo nas nossas partilhas o assunto era sempre outro e fugia de sequer abordar essa questão, depois daquele desabafo o T não voltou a tocar no assunto.

Continuámos as nossas sessões, até que em fevereiro o T chega muito triste com a notícia da separação dos pais. No meio desta convulsão na sua vida a constante de estabilidade é a escola e os nossos encontros semanais.

Maio, quarta-feira. Cheguei à escola, cumprimentei as funcionárias e dirigi-me à sala onde tínhamos as nossas sessões. A professora ao ver-me, pediu-me uns minutos e no meio de lágrimas informou-me que o T não estava na escola e nem sequer ela sabia onde ele estava. No dia anterior a CPCJ tinha ido buscar o T à sala de aula devido a uma queixa de violência domestica.

Fiquei sem chão se o meu mundo ficou logo ali virado de pernas para o ar, nem sequer poderia imaginar o que o T estaria a sentir, a viver.

A transição rápida e tumultuosa, deve ter deixado o T confuso e desorientado. Todos os laços familiares e de apoio que ele conhecia são repentinamente cortados. Os desafios emocionais e as dificuldades que ele estava a aprender a superar ganham nova dimensão.

Este é um lembrete poderoso de quantos T’s temos pelas nossas escolas, onde as adversidades diárias e os desafios emocionais são reais.

Sou mais uma vez relembrado que cada criança merece a oportunidade de alcançar o seu potencial máximo, independentemente das circunstâncias em que se encontrem. A CCA ao oferecer suporte, orientação e recursos adequados, tem tido um papel importante ao ajudar, cuidar e estimular estas crianças a superar as adversidades e construir um melhor futuro para cada uma.

A vida acontece e precisei de lidar com as minhas próprias emoções e sentimentos. Sentimentos de injustiça, indignação de desapontamento, frustração. Precisei de tempo para lidar com o impacto que este episódio teve em mim, e demorou algumas semanas a fazer sentido. A saber lidar com a perda mas tambem a confiar na esperança. De eu próprio avaliar, refletir, ganhar consciência da jornada e do percurso que fizemos em conjunto.

Como sou uma pessoa de fé que acredita em Deus e como ele cuida de cada pessoa, oro para que o T sinta a sua companhia e que encontre amigos que o ajudem a crescer e a tornar-se um homem com um bonito futuro.

Embora a minha jornada de coaching com o T tenha terminado abruptamente devido a circunstâncias externas, acredito que a amizade e o impacto de tantos gestos de bondade continuarão a impactar a vida do T positivamente.

Quanto a mim, o alarme do meu telefone continua a tocar todas as quartas-feiras pelas 14:30 com um lembrete: “tempo como T”.

André Mota

André Mota

O André é casado com a Rute e têm 2 filhos. É coordenador de comunicação e fundraising e voluntário da CCA.

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